Por: Natália Ribeiro do Valle
A preservação ambiental no litoral paulista é um problema gravíssimo e se transformou em assunto recorrente na mídia. Envolve desde canais de esgoto a céu aberto até o lançamento deste ao mar sem antes passar por estações de tratamento, agravando a poluição das praias. Percebe-se um esforço por parte dos governos estadual e municipais para enfrentar a situação, mas o que foi feito até agora ainda está longe de soluções ideais. O que ocorreu na última temporada de férias, marcada por dezenas de praias impróprias para banho, do litoral Sul a Ubatuba, no litoral Norte, comprova as teses dos ambientalistas de que muitas das medidas adotadas são inócuas ou insuficientes.
Uma das medidas adotadas no ano passado para proteção do litoral envolveu a criação das APAs (Áreas de Proteção Ambiental) pela Secretaria do Meio Ambiente do governo José Serra. O decreto gerou protestos porque impediu, em muitos trechos, a pesca artesanal praticada por comunidades que dependem do mar para sobreviver.
Todos defendem, evidentemente, a preservação da biodiversidade marítima. Mas a população dessas áreas não foi ouvida sobre os objetivos finais das APAs. Afinal, se pescadores, navegadores, entidades náuticas, operadores de turismo e ambientalistas não podem contribuir para essa decisão, quem mais pode?
Preocupam decisões tomadas em gabinetes, sem contato com o mundo real. A preservação ambiental deve estar aliada à sustentabilidade. De que adianta um barco não poder mais atracar em uma determinada ilha se boa parte do esgoto do litoral é jogado sem tratamento no mar? Que tipo de áreas de preservação ambiental queremos?
O programa de maior impacto para a despoluição das praias é o "Onda Limpa", voltado para todo o litoral do Estado, com investimentos da ordem de US$ 1,5 bilhão. Pelo menos no papel, a promessa é elevar de 55% para 95% o percentual de coleta e tratamento de esgoto, que será levado mar adentro através da construção de novos emissários submarinos. Um deles beneficiará a Praia Grande (Baixada Santista) e outro, o litoral norte. O investimento da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) apenas na Praia Grande é de R$ 100 milhões.
De acordo com a companhia, a intenção é proporcionar uma melhora na balneabilidade das praias das regiões com maior potencial turístico. No litoral norte, está previsto um emissário submarino em Ilhabela, uma estação de esgoto em Caraguatatuba e o aperfeiçoamento do sistema de esgotamento sanitário em Ubatuba, onde há graves problemas de poluição e contaminação em conseqüência do despejo de esgotos diretamente no mar por parte de alguns condomínios. Quem quiser ter uma idéia do descaso, basta visitar a praia das Toninhas.
Mesmo com as obras prometidas, algumas perguntas permanecem sem resposta e dividem os especialistas. Há quem afirme, por exemplo, que levar o esgoto quatro quilômetros mar adentro (caso da Praia Grande) não é a melhor solução. Muita sujeira, dizem, volta para a praia. O ideal seria que todas essas questões fossem amplamente debatidas pelo governo com os moradores do litoral, ambientalistas e estudiosos do assunto, com o envolvimento da comunidade acadêmica e científica. Todos deveriam contribuir para se chegar a uma decisão mais acertada sobre o tema, mesmo que, no final, a solução seja a que está sendo buscada.
Como freqüentadora do litoral norte, tenho motivos para não me sentir segura. Em dezembro do ano passado, fiz dezenas de ligações para a Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental) para denunciar que condomínios, na praia das Toninhas, estavam despejando esgoto "in natura" no mar, fato que constatei pessoalmente. A resposta que obtive é a de que o esgoto que estava sendo despejado não era prejudicial à saúde, mesmo presenciando, todos os dias, a avalanche de dejetos fétidos lançada ao mar.
Após as inúmeras ligações, nenhum retorno. Percebi que precisava me fazer ouvir pelos órgãos competentes e apelei para a mídia. Somente então órgãos públicos começaram a se mexer, logo convocando para uma reunião na Cetesb. Mas nesta, o que vi foi apenas uma apresentação em defesa do próprio órgão e nada de muito concreto. Onde está o meu direito de participar das decisões que dizem respeito à minha realidade? Por que se teme tanto a democracia participativa quando se trata de discutir soluções em conjunto? Por fim, a Cetesb confirmou que enviou um técnico da companhia a um condomínio para vistoriar as instalações. O órgão informou que não foi constatado nenhum lançamento de esgoto sem tratamento no mar, mas não coletou amostra para exame laboratorial nem expediu autuações por se tratar de esgoto lançado ao mar com cloro, como atesta o relatório. A substância é proibida por lei nesses casos.
Em se tratando da construção dos emissários submarinos, pesam as mesmas dúvidas. É claro que todos querem que haja destinação adequada para 70% do esgoto do litoral norte que ainda não recebe qualquer tipo de tratamento. Mas será que um órgão que não tem interlocução com a população é capaz de administrar o impacto ambiental que a utilização desses emissários pode causar?
Mesmo não sendo especialista no assunto, é impossível não inferir que o local no mar onde for despejado todo o esgoto de Ilhabela, só para dar um exemplo, já que a cidade deverá receber um emissário a 800 metros da praia, não poderá sofrer desequilíbrio ecológico. Realmente, falta ao poder público vir até a população e dizer como pretende fazer o manejo correto do esgoto no mar. Afinal, não fará sentido a criação de nenhuma APA se o estado não for capaz de administrar o esgoto.
Natália Ribeiro do Valle é advogada, especialista em terras de Marinha, do escritório Ribeiro do Valle Associados
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